Como funcionam os relógios Seiko Spring Drive!

Dando sequência aos nossos artigos que tratam dos tipos de movimentos que equipam os relógios Seiko, hoje analisaremos um dos mais refinados e intrigantes já fabricados no mundo, o Seiko Spring Drive, pedido há algum tempo por nossos amigos leitores Carlos Sakamoto e João.

Em algumas das mais importantes invenções da humanidade é possível apontar o sonho de uma única pessoa como sendo o grande responsável por desencadear uma série de processos e alcançar o tão desejado resultado, o Spring Drive é mais um desses casos.

Grand Seiko Spring Drive cal. 9R01, detalhes aqui. Foto: seikowatches.com

Tudo começou com um jovem engenheiro da Seiko chamado Yoshikazu Akahane que, no ano de 1977, com apenas seis anos de empresa, em plena crise do quartzo que ameaçava a tradicional relojoaria mecânica e já produzia os relógios de pulso mais precisos do mundo, sonhou com a possibilidade de fabricar um relógio mecânico que alcançasse a mesma precisão dos modelos a quartzo.

A Seiko abraçou a causa de Akahane e entre tropeções e conquistas investiu pesado nesse sonho. Segundo a própria Seiko foram precisos vinte e oito anos de esforços contínuos, muitas pesquisas, inúmeras patentes registradas e mais de 600 protótipos até que, no ano de 2005, com uma forma completamente diferente de enxergar a relojoaria, nasceu o Seiko Spring Drive. Esse ano ficou marcado pela alegria dessa conquista após quase três décadas de esforços, mas também pela tristeza causada pelo falecimento do seu idealizador, como se ele tivesse, verdadeiramente, vindo ao mundo para desenvolver o Spring Drive.

O idealizador do Spring Drive, Yoshikazu Akahane. Foto: divulgação Seiko.

Funcionamento do mecanismo

Inicialmente o Spring Drive funciona sob os princípios básicos da relojoaria mecânica tradicional, uma vez que a mola principal precisa ser enrolada, seja manualmente ou de forma automática, e então, com o desenrolar da mola principal, começa toda a performance sonhada e desenvolvida por Akahane e sua equipe. A energia liberada pela mola principal é transmitida aos ponteiros e a um regulador chamado Tri-synchro através de um jogo de engrenagens, esse regulador é o grande diferencial do Spring Drive.

O Tri-synchro recebeu esse nome por executar três micro tarefas importantíssimas no sistema: a primeira é controlar a energia mecânica da mola principal, a segunda é converter uma pequena porção dessa energia em eletricidade para alimentar uma micro unidade de processamento denominada simplesmente “Circuito ou Chip Integrado” (IC) que utiliza a vibração de um oscilador de quartzo para calcular o tempo, a terceira tarefa é gerar força magnética e controlar um freio eletromagnético responsável por conter o avanço do relógio de acordo com os cálculos feitos pelo IC. O funcionamento do Tri-synchro pode ser observado em detalhe após os “2:48” do vídeo abaixo, apesar do áudio ser em inglês.

Alguns problemas

Muitos foram os problemas enfrentados ao longo dos anos, mas a mola principal e o IC se destacavam largamente. O Spring Drive dependia do desenvolvimento de uma mola melhorada, mais eficiente, uma vez que a Seiko exigia uma reserva de marcha de ao menos 48 horas para esses relógios nos anos 80 e 72 horas nos anos 90. A Spron 510 foi a resposta que o movimento precisava, trata-se de uma mola de aço constituída por uma liga extremamente elástica e resistente, guardada sob forte segredo industrial pela Seiko e que continua sendo aprimorada, atualmente podendo atingir mais de 192 horas (8 dias!) de reserva de energia.

O desenvolvimento do IC foi ainda mais complexo. Sabe-se que os japoneses são hábeis na construção de microchips, porém o IC além da precisar ser muito pequeno, não poderia consumir quase energia alguma. O problema só foi completamente resolvido após a incorporação da Epson Corporation à Seiko em 1985. A Epson uniu seu know-how ao da Suwa Seikosha e, ao final do projeto, o IC do Spring Drive consumia 100 vezes menos energia que os primeiros chips desenvolvidos. A Seiko afirma que se fosse possível unir a energia gerada por todos os Spring Drives já vendidos, mal daria para acender uma lâmpada!

Grand Seiko SBGA083 Spring Drive. Foto: watchcharts.com

As bases do Seiko Spring Drive

1. Carregamento rápido: esse movimento utiliza a chamada “Alavanca Mágica” patenteada em 1959 pela Seiko e que ainda hoje representa um grande avanço sobre o sistema suíço clássico por conta de sua incrível simplicidade, baixo desgaste e enorme eficiência, sendo atualmente adotada, inclusive, por várias empresas suíças como TAG Heuer, Panerai e Cartier. Em breve trarei um artigo específico sobre ela.

2. Alta Precisão: Como vimos, o regulador Tri-synchro controla e libera as energias mecânica, elétrica e eletromagnética geradas pela mola principal, com isso ele consegue uma precisão de +/- 15 segundos ao mês, sendo muito mais preciso que qualquer outro relógio mecânico.

Fundo de um Grand Seiko Cronógrafo Spring Drive. Foto: watchalyzer.com

3. Movimento contínuo: Como o mecanismo não tem “escape” todos os movimentos são contínuos e não existe aquele “tic-tac”, os ponteiros se desenvolvem de forma ininterrupta e suave. O Spring Drive é o único relógio do mundo em que o segundeiro varre o mostrador de forma perfeitamente contínua, é algo realmente lindo de se ver.

4. Reserva de marcha de longa duração: A liga especial de aço utilizada na Spron 510 gera energia adicional, além de ser mais duradoura e altamente resistente ao calor e à corrosão. Excetuando alguns modelos que chegaram a ser comercializados no Japão no final dos anos 90, antes do lançamento oficial do Spring Drive em 2005, esses movimentos têm uma reserva de marcha mínima de 72 horas, mesmo com o cronógrafo em uso.

Seiko Ananta Spring Drive Chronograph black PVD. Foto: professionalwatches.com

O Cronógrafo Spring Drive

Outro destaque do movimento Seiko Spring Drive fica por conta dos cronógrafos da empresa, uma vez que a alta precisão do sistema permite medir o tempo com extrema eficácia. Oscilando menos de um segundo ao dia, esses são alguns dos melhores cronógrafos fabricados no mundo. Os modelos são montados manualmente com pelo menos 416 componentes, 50 rubis, 140 pontos de lubrificação e 5 diferentes lubrificantes, sendo TODOS os componentes desenvolvidos pela própria Seiko, da liga do aço até os lubrificantes, algo extremamente raro na indústria relojoeira. A manutenção dos movimentos Spring Drive também se destaca por ser praticamente inexistente, pois não há fluidos que possam vazar ou um freio mecânico que se desgastaria com o tempo, todo o mecanismo foi pensado para ser extremamente duradouro, inteligente e isso incomoda muitas pessoas.

Polêmica

Os movimentos Spring Drive equipam relógios topo de gama da Seiko e Grand Seiko, rivalizando ferozmente com outras grandes indústrias do ramo da relojoaria e, como não poderia ser diferente, o fato desses calibres alcançarem maior precisão e serem os únicos no mercado a possuíram o belo movimento contínuo do segundeiro, sempre gerou atrito com outras indústrias do ramo.

Grand Seiko Godzilla 65th Anniversary Edition, detalhes aqui. Foto: divulgação Seiko.

Alguns chegam a dizer que o Spring Drive não deve ser considerado mecânico por possuir o regulador Tri-synchro, porém, igualmente não pode ser considerado simplesmente um relógio a quartzo, pois seu diferencial é aproveitar de forma eficiente as energias geradas pelo próprio movimento mecânico do relógio e a micro engenharia desenvolvida pela Seiko para fazer algo único, não armazenando e nem utilizando energia externa.

Meu posicionamento é que, de fato, foi uma forma completamente diferente de enxergar a relojoaria. Com o Spring Drive a Seiko uniu todo o conhecimento japonês da microengenharia com a tradição dos relógios mecânicos e escreveu um capítulo à parte ao aproveitar uma energia que o sistema sempre gerou e que continua sendo desperdiçada na maioria dos relógios. São peças que estão com um pé na tradição e outro no que existe de mais sofisticado no universo da horologia. O Spring Drive representa o futuro da alta relojoaria mecânica, hoje.

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12 comentários em “Como funcionam os relógios Seiko Spring Drive!

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  1. Que belo texto! Obrigado por atender meu pedido.
    Meu santo graal em termos de relógios seria um GS Spring Drive como o da 2a foto.
    Tenho algumas dúvidas:

    1. Sabe dizer se efetivamente a manutenção de um Spring Drive (SD) é mais simples que a de um modelo comum da linha seiko/GS?

    2. A parte eletrônica de um SD não reduziria a “vida” do relógio? (Será mesmo que daqui 50 anos esses circuitos eletrônicos ainda estarão funcionando?)

    3. Já teve um SD em mãos?

    Pra mim os SD são modelos híbridos.
    Abraço, Ramon!

    1. Obrigado João, é sempre um prazer.

      Vamos lá:
      1) O termo manutenção é muito amplo, como foi abordado em um Guia postado aqui no SeikoPhD. Se estiver falando da manutenção preventiva, não há qualquer diferença ou trabalho a mais. O relojoeiro precisará ter os mesmos cuidados ao remover as peças, não haverá muita diferença. Na hora de uma manutenção completa o mecanismo Spring Drive sai por inteiro, então talvez terá esse cuidado a mais na hora de retirar ou encaixar, não vejo um grande problema a mais, contudo, por ser um mecanismo bem menos comercializado o relojoeiro pode cobrar mais por esse serviço, algo que não deve atrapalhar demais alguém que pagou acima de 5 mil dólares pelo relógio rsss

      2) Essa é uma enorme conquista do Spring Drive e a Seiko faz questão de frisar essa parte, o mecanismo em si praticamente não sofre desgaste ou dano ao ser utilizado. As bobinas duram uma eternidade, o IC utiliza uma quantidade ínfima de energia e é extremamente simples, o cristal de quartzo igualmente dispensa manutenção. O ponto que exigiria manutenção periódica seria o freio aplicado pelo Spring Drive no mecanismo, isso caso fosse mecânico, entretanto ele é eletromagnético, não há contato direto, é a energia magnética que reduz a velocidade das engrenagens e, por consequência, dos ponteiros. Não há desgaste no movimento e esse foi um grande feito do Spring Drive. Outra possibilidade de ocorrer problemas seria caso o sistema armazenasse ou utilizasse energia armazenada, já que poderia acontecer o rompimento desse armazenador como é comum nas baterias e isso danificaria completamente o sistema. Como disse mais acima, não existe qualquer armazenamento no Spring Drive. A expectativa é que ultrapasse os cem anos com tranquilidade – a Seiko é realmente excelente em fazer itens duráveis.

      3) Tive sim, vi alguns pessoalmente, mas fiquei meio incomodado de pedir para ver todos hahahaha, peguei apenas em um lindíssimo Grand Seiko, vontade não faltou de levar ao menos uns 3 viu rsss

      Abraço João!

      1. Obrigado pela resposta. Quem sabe um dia não compro um GS SD kkk

  2. Parabéns pela qualidade do texto e de sua pesquisa! Um Grand Seiko é um de meus objetivos como colecionador! Esse “casamento” entre a tradição suíça e a tecnologia japonesa só podia ser especial mesmo!! Grande Abraço e obrigado !!! Maurício

  3. Boa tarde, Ramon. Mês passado, esse Ananta (SPS009J1, enviei fotos a vc) do artigo foi oferecido a mim por R$ 17.000, valor exagerado, que dá para adquirir um GS e sobra $$$. Mas como na Terra Brasilis tudo é caro…. Mais uma excelente matéria com a qualidade de sempre. Grande abraço.

    1. É verdade meu amigo, lembrei das fotos que você me enviou. O Ananta é um BAITA relógio, mas 17 mil realmente apertam e dá para adquirir alguns bons GS.
      Obrigado, um abraço e boa semana!

  4. Que incrível o movimento desse ponteiro secundeiro! Chega a ser hipinotizante!
    Ramon, sem ser o Ananta, esse movimento Spring Drive equipa algum relógio da Seiko, com preço um pouco mais acessível:/ Ainda que mais “antigo”, de 2005 ou 2006.

    1. O movimento do segundeiro é muito lindo mesmo.
      Infelizmente os relógios com Spring Drive são bem caros, estou ao celular e não consigo acrescentar links, mas nas Baselworld do ano passado a Seiko lançou a linha LX com Spring Drive com preço médio de US $ 5000. Escrevi um artigo sobre eles, busque por “Seiko LX Line” aqui no Seiko PhD, os preços estão bem detalhados.
      Abraço Hector!

  5. Obrigado Ramon!
    Quem sabe um dia não consiga um Spring Drive no mercado de usados! Pena que no Brasil não se vê muitos GS à venda!
    Um grande abraço Ramon!

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